Evidências acadêmicas e empíricas mostram que aumentar a inclusão das mulheres é essencial para que a sociobioeconomia se estabeleça como uma forte estratégia de desenvolvimento nacional
A desigualdade de gênero é um fator preponderante na maioria das sociedades ao redor do mundo, e o cenário não é diferente nas comunidades amazônicas e nos negócios da sociobioeconomia deste território. As mulheres frequentemente são relegadas a papéis secundários, enquanto os homens ocupam posições de liderança e reconhecimento. O domínio dos espaços formais de comercialização e controle financeiro também é masculino (Mello & Schmink, 2017), reforçando a invisibilização do papel feminino.
Há, portanto, um desequilíbrio de gênero marcante na forma como homens e mulheres são reconhecidos e valorizados nestas cadeias produtivas — um fenômeno que não apenas perpetua distorções históricas, mas também compromete o pleno potencial de crescimento do setor.
Apesar disto, é evidente que as mulheres desempenham um papel essencial para a prosperidade dos negócios da sociobioeconomia na Amazônia. Elas estão presentes em todas as etapas da produção – do cultivo à comercialização –, além de contribuírem para o bem-estar social e econômico de suas comunidades. Seus conhecimentos incluem a diversificação de plantios, o manejo de plantas medicinais e a produção de alimentos, práticas fundamentais para um uso eficiente dos recursos naturais. Excluí-las representaria perder saberes valiosos sobre aproveitamento de matéria-prima e gestão de recursos naturais (Mello & Schmink, 2016).
Foto: ASSOAB, empresa do portfólio NESsT
Adicionalmente, recai sobre as mulheres o peso de uma jornada dupla ou tripla, uma vez que acumulam funções agrícolas com responsabilidades domésticas e de cuidado. Segundo o levantamento Outras Formas de Trabalho da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) de 2022, mulheres no Brasil dedicam, em média, 21,3 horas semanais a tarefas domésticas e cuidados, enquanto os homens gastam apenas 11,7 horas – uma diferença de 73,5%. Na região Norte, onde está localizada a Amazônia brasileira, essa diferença é ainda mais acentuada, chegando a 91%.
Além de sofrerem com a invisibilização e sobrecarga de trabalho, as mulheres são frequentemente excluídas dos processos decisórios, o que é comprovadamente prejudicial para os negócios. Estudos de gênero e a experiência da NESsT em mais de 50 iniciativas apoiadas demonstram que grupos exclusivamente masculinos carecem da diversidade de pensamento necessária para inovação e desenvolvimento sustentável. A inclusão de mulheres na governança garante representatividade e promove decisões mais equilibradas e eficazes (Badal, 2014).
A participação feminina na governança florestal pode melhorar a regeneração das florestas e garantir uma distribuição mais equitativa dos recursos. O conhecimento feminino sobre biodiversidade e práticas sustentáveis é essencial para a conservação ambiental e a sustentabilidade dos sistemas agroflorestais (Conexsus, 2024).
Nos negócios da sociobioeconomia, as mulheres sofrem com a falta de reconhecimento e enfrentam obstáculos ainda mais estruturais, como o acesso restrito a financiamento.
Segundo Keivan Hamoud, da Associação dos Agropecuários de Beruri (ASSOAB), "os recursos ainda são insuficientes e mal distribuídos. Muitos financiadores priorizam grandes projetos e negligenciam pequenos negócios que têm um grande potencial de impacto local".
“Os negócios locais precisam ser estruturados para serem autônomos e todos os esforços de parceiros e financiadores devem ser para este fim, de modo que se evite dependências como ocorre com diversas organizações de base.”
Além disso, "a falta de flexibilidade nos critérios de financiamento impede que negócios locais e com grande potencial de impacto sejam apoiados, sendo na verdade excludentes para as organizações de base comunitária na Amazônia", ressalta Keivan. Esse cenário compromete a autonomia financeira das mulheres empreendedoras e limita as possibilidades de crescimento dos negócios.
A dependência de estruturas externas de financiamento também é um ponto crítico. Como ressalta Ngrenhrarati Xikrin, da Associação Bebô Xikrin do Bacajá (ABEX). Ela aponta que "os negócios locais precisam ser estruturados para serem autônomos e todos os esforços de parceiros e financiadores devem ser para este fim, de modo que se evite dependências como ocorre com diversas organizações de base". Essa realidade reforça a necessidade de mecanismos de crédito e investimento que considerem as particularidades dos negócios da sociobiodiversidade na Amazônia.
Diante desse contexto, torna-se essencial valorizar e fortalecer o protagonismo feminino. Em sua atuação no Brasil, a NESsT tem se dedicado a formalizar e remunerar a participação das mulheres nesse setor, promovendo maior equidade, transparência e desenvolvimento sustentável.
Foto: ABEX, empresa do portfólio NESsT
Cairo Bastos, gerente de Projetos da NESsT no Brasil, explica que "na perspectiva econômica, sua inclusão (das mulheres) na força de trabalho é essencial para ampliar a escala de produção e comercialização de produtos da floresta. A participação feminina é indispensável para evitar modelos autoritários baseados exclusivamente na visão masculina, assegurando um modelo de governança mais democrático e sustentável”.
Cairo complementa, apontando que “fortalecer o papel das mulheres na sociobioeconomia amazônica, oferecendo oportunidades de capacitação, liderança e geração de renda, promove igualdade de gênero, impulsiona a conservação ambiental e potencializa o desenvolvimento sustentável da região”.
“Fortalecer o papel das mulheres na sociobioeconomia amazônica, oferecendo oportunidades de capacitação, liderança e geração de renda, promove igualdade de gênero, impulsiona a conservação ambiental e potencializa o desenvolvimento sustentável da região”
A valorização das mulheres na sociobioeconomia também reflete em avanços sociais expressivos, incluindo a melhoria da segurança alimentar, o acesso ampliado a recursos financeiros e a diminuição das desigualdades estruturais. Empresas e políticas públicas que incentivam a participação feminina contribuem para um crescimento mais justo e resiliente da região amazônica, ajudando a garantir uma distribuição mais equitativa dos frutos da sociobioeconomia.
Investir em capacitação e acesso a mercados para mulheres empreendedoras, abre-se caminho para o fortalecimento das cadeias produtivas e o aumento da competitividade dos produtos amazônicos
Foto: ataic
Essa inclusão permite que o conhecimento tradicional e as inovações locais sejam valorizados e integrados ao mercado, resultando em uma economia mais diversificada e sustentável.
Por fim, o desenvolvimento de mecanismos de financiamento acessíveis, a ampliação de programas de formação técnica e o estímulo à participação feminina nos espaços de tomada de decisão são medidas fundamentais para garantir um futuro mais justo e próspero para a Amazônia.
Como o empoderamento de mulheres pode contribuir para o fortalecimento da bioeconomia na Amazônia e vice-versa
Mulheres capacitadas podem assumir papéis de liderança em cooperativas e negócios sustentáveis, ampliando a produção e o impacto socioeconômico das comunidades e fortalecendo as cadeias de valor da biodiversidade.
Mulheres em comunidades amazônicas desempenham papel essencial na preservação e transmissão de conhecimentos sobre o uso sustentável da biodiversidade, promovendo práticas agroflorestais e de extrativismo responsável.
Mulheres empreendedoras investem na educação e saúde de suas famílias, promovendo o desenvolvimento sustentável nas comunidades, estabilidade econômica e inclusão social.
O fortalecimento da participação feminina no setor da bioeconomia pode impulsionar a diversificação da produção e a criação de novos produtos sustentáveis para mercados nacionais e internacionais.
Programas de empoderamento feminino podem auxiliar mulheres empreendedoras a acessar investimentos e certificações, garantindo que seus produtos alcancem mercados de maior valor.
Você pode acessar o estudo e recomendações detalhadas da NESsT abaixo em inglês, português e espanhol:
Você pode ler mais sobre o trabalho do NESsT para integrar as vozes dos Povos Indígenas e Comunidades Locais em conversas sobre empreendedorismo, financiamento e assistência empresarial aqui: nesst.org/amazonia
Este blog faz parte de uma série que explora os insights, temas-chave e abordagens que norteiam a publicação da NESsT: Destravando o Potencial do Ecossistema Mundial de Financiamentos para uma Bioeconomia Sustentável na Amazônia pela Perspectiva das Comunidades Locais. Baseado em vozes amazônicas e conversas com o setor financeiro global, o relatório identifica nove recomendações em duas áreas principais para que investidores públicos e privados focados em impacto possam melhorar o direcionamento, eficácia e eficiência de seus financiamentos para a bioeconomia da Amazônia. Com esta série de dez partes, buscamos trazer essas oportunidades para conversas mais amplas e espaços de discussão diversificados, ampliando o alcance das comunidades amazônicas e suas vozes, experiências e soluções.